ODia Municipal do Carimbó, comemorado nesta terça-feira, 26, homenageia Mestre Verequete, considerado o “Rei do Carimbó”, no dia do aniversário dele. Verequete é um dos principais responsáveis por popularizar o gênero musical em Belém, até então mais comum no litoral paraense.
Patrimônio cultural imaterial do Brasil desde 2014, o carimbó é mais do que um ritmo: faz parte da história da formação de Belém e do Pará. Ele atravessa espaços e tempos, organiza relações sociais, está intimamente ligado às religiosidades de matrizes africanas e indígenas e possui uma longa trajetória, que remonta ao período da colonização até se consolidar comosímbolo da identidade cultural paraense.

De acordo com o antropólogo e professor de sociologia da Universidade Federal do Pará (UFPA) Andrey Faro de Lima,o carimbó surgiu das relações entre os povos indígenas e os africanos escravizados trazidos para o Pará no século XVI. As etnias misturaram seus ritmos, danças e, principalmente, seus batuques.
“A colonização do Brasil trouxe expressões indígenas e africanas associadas aos batuques. Nós temos o samba na Bahia e no Rio de Janeiro, por exemplo, o maracatu em Recife e o carimbó na Amazônia”, explica Faro, que foi um dos pesquisadores responsáveis pelo processo que tornou o carimbó patrimônio cultural imaterial do Brasil.
A etimologia da palavra está diretamente ligada ao batuque. O termo vem do Tupikorimbó (ou curimbó), que significa “pau que produz som”. Refere-se a umtambor artesanal, produzido a partir de um tronco de madeira oco, no qual se batuca enquanto as pessoas dançam.

Mas o ritmo, hoje tão popular na cultura da cidade, nem sempre teve esse reconhecimento. Segundo o antropólogo, até o início da década de 1970, o carimbó era associado às classes populares, aparecia pouco na capital e era tocado principalmente nos municípios do litoral paraense. “Eleera dançado e tocado sobretudo nos meses de dezembro e janeiro, durante as festividades do catolicismo popular”, explica Faro.
As festividades católicas populares eram celebrações religiosas praticadas pelo povo, na tradição religiosa, mas diferentemente da liturgia oficial cristã, eram marcadas pelo sincretismo religioso, misturando elementos do cristianismo com crenças afro-indígenas. O carimbó, portanto,sempre esteve inserido nesse contexto de celebrações do povo.

Era, assim, um ritmo marginalizado, associado aos guetos e tocado principalmente no interior, distante da vida cultural da capital.Foi no início dos anos 1970 que o carimbó começou a ganhar espaço em Belém, impulsionado pelos mestres Verequete, Pinduca e Lucindo.
“Havia até uma disputa: diziam que o Pinduca fazia um ‘falso’ carimbó, enquanto o mestre Lucindo era considerado o verdadeiro carimbó”, conta Faro. Esse impasse começa a se desfazer quando, em 1971, Mestre Verequete lança, junto ao grupo Uirapuru da Amazônia, seu primeiro disco: O legítimo carimbó.
Ainda assim, segundo pesquisas do professor Andrey Faro, o carimbó não se tornou imediatamente símbolo da cultura paraense ao chegar à capital. Continuava sendo apreciado por um público restrito, de camadas populares. Era, portanto,uma cultura de resistência, marginal, mas persistente.

A virada ocorreu nos anos 2000, quando o ritmo começou a ser incorporado por outras camadas sociais e passou a serreconhecido como parte da identidade cultural de Belém. Isso se deve, em parte, à popularização do gênero por músicos renomados.
“A projeção das guitarradas foi fundamental. A popularização dos mestres Vieira, Curica e Aldo Sena, que tocam guitarradas, ritmo que é uma fusão do carimbó com outras referências musicais, também foi essencial para essa popularização do carimbó em Belém. Cantoras como Fafá de Belém e Gaby Amarantos retomam o carimbó, e surgem espaços na cidade dedicados à dança do ritmo”, destaca Faro.
Uma das primeiras casas voltadas exclusivamente para o carimbó em Belém é a Coisas de Negro, localizada em Icoaraci. Comandada há 32 anos por Raimundo da Silva, de 67 anos, mais conhecido como Nego Ray, o espaço foi pioneiro na valorização do gênero na capital.
“Digo com convicção que o Coisas de Negro foi o primeiro espaço em Belém dedicado ao carimbó, abrindo caminho para o surgimento de novos grupos e casas voltadas ao ritmo”, afirma Nego Ray.

Em 19 de janeiro de 2000, ele criou oMovimento Roda de Carimbócom o objetivo de divulgar o gênero tanto em Icoaraci quanto em Belém. Desde então, o Coisas de Negro promove todos os domingos, a partir das 18h, uma festa dedicada exclusivamente ao carimbó, com apresentação do Coletivo Carimbó de Icoaraci.
Nego Ray conta que o espaço se tornou referência local e internacional. “Recebemos muitos turistas. Quando eles chegam à cidade e perguntam onde podem conhecer o carimbó, sempre são indicados a virem ao Coisas de Negro”.
Além das festas, o mestre vive o carimbó intensamente em seu dia a dia: ministra oficinas de produção de instrumentos e ensina os alunos a tocar, sempre explicando a história do ritmo e a importância cultural de cada instrumento.
Com a aproximação da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30), que atrairá milhares de turistas a Belém,Nego Ray quer mostrar o carimbó para o mundo. Por isso,durante o evento as rodas de carimbó no Coisas de Negro ocorrerão também aos sábados. Nesses dias, os visitantes poderão acompanhar oficinas de produção de instrumentos e indumentárias, com explicações históricas.
Foi em 2018 que Aline Guimarães comprou sua primeira saia de carimbó, em Alter do Chão. Artesã, ela vendia seus trabalhos nas praias do Pará desde 2008. Sempre que via uma roda de carimbó, largava o artesanato para dançar.
“As rodas sempre me chamavam atenção. Eu largava tudo para dançar. Era só por diversão, mas muita gente dizia que eu era dançarina nata de carimbó, e isso ficou na minha cabeça”, lembra.

Aline, então,decidiu fazer do ritmo sua vida, se tornando dançarina profissional. De Aline Guimarães, passou a se chamar Aline Sereia do Norte, e ela começou a dançar em diversos grupos de carimbó de Belém.
O nome não é por acaso: asereia é a mulher que dança sozinha, desafiando a tradição do carimbó dançado em par e colocando o protagonismo feminino em destaque. “Eu me intitulo Sereia do Carimbó desde 2018, porque danço sozinha, e não em dupla, como é mais comum”, explica Aline.

Além de dançar profissionalmente, Aline é responsável pela produção do evento de carimbóBatuque na Praça, que ocorre uma vez por mês na Praça da República. A próxima edição será no dia 14 de setembro.
Outro ponto de celebração do carimbó em Belém é a tradicional festa realizada todo domingo na Feira do Açaí — recentemente reformada pela Prefeitura Municipal e entregue à população em junho de 2025.
Muito mais que um gênero musical, o carimbó atravessa a história da formação de Belém e do Pará. Está intimamente ligado às práticas culturais e religiosas afro-indígenas, organiza relações sociais, foi por muito tempo marginalizado e alvo de preconceito, até ser reconhecido como identidade cultural paraense. Hoje, o carimbó “virou pertencimento do que é ser ou não ser de Belém. Assim como o Círio de Nazaré e o açaí com peixe frito. O carimbófaz parte da identidade do que é ser paraense”, diz o professor da UFPA Andrey Faro. E tudo graças, principalmente, ao Mestre Verequete. Viva Verequete!
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